Amador versus Profissional¹

11 de setembro de 2023  | Maya Deren (tradução de Nicole Donato)

O maior obstáculo para cineastas amadores é o seu próprio senso de inferioridade diante de² produções profissionais. A classificação “amador”, em si, tem uma aura de escusa. Mas essa mesma palavra — do latim, amateur — “amante”, significa alguém que faz algo por amor pela coisa, em vez de razões econômicas ou necessidade. E é este o significado que o cineasta amador deveria ter como referência. Ao invés de invejar os escritores de roteiros e diálogos, os atores formados, as equipes e sets elaborados, os enormes orçamentos de produção do cinema profissional, o amador deveria fazer uso da única grande vantagem que todos os profissionais invejam nele, ou seja, a liberdade — tanto artística como física.

Liberdade artística significa que o cineasta amador nunca é forçado a sacrificar drama visual e beleza por um jorro de palavras, palavras, palavras, palavras, por atividade incansável e explicações da trama, ou para a exibição de uma estrela ou do produto de um patrocinador; nem é esperado que a produção amadora dê retorno financeiro a um grande investimento, segurando a atenção de um público gigantesco e heterogêneo por 90 minutos.

Como o fotógrafo amador, o cineasta amador pode se dedicar a capturar a poesia e a beleza de lugares e eventos e, porque usa uma câmera filmadora, pode explorar o vasto mundo da beleza do movimento. (Um dos filmes premiados com Menção Honrosa no Creative Film Awards³ foi ROUND AND SQUARE, uma abordagem poética e rítmica dos faróis dançantes de carros que correm por rodovias, por debaixo de pontes etc.). Ao invés de tentar inventar um enredo que se move, use o movimento do vento, da água, crianças, pessoas, elevadores, bolas etc., como um poema poderia celebrá-los. E use a sua liberdade para experimentar ideias visuais; seus erros não farão com que seja demitido. 

Liberdade física inclui liberdade de tempo — uma liberdade dos prazos impostos pelo orçamento. Mas, acima de tudo, o cineasta amador, com seu equipamento pequeno e leve, tem uma inconspicuidade (para filmar espontaneamente) e uma mobilidade física que é justamente a inveja de boa parte dos profissionais, sobrecarregados como são por seus monstros, cabos, equipes de toneladas. Não se esqueça que ainda não foi construído nenhum tripé miraculosamente versátil em movimento como o sistema complexo de suportes, articulações, músculos e nervos que é o corpo humano, que, com um pouco de prática, torna possível a enorme variedade de ângulos de câmera e ação visual. Você tem tudo isso, e um cérebro também, em um pacote ordenado, compacto e portátil. Câmeras não fazem filmes; cineastas fazem filmes.

Melhore seus filmes não adicionando mais equipamento e pessoal, mas usando o que você tem em seu potencial máximo. A parte mais importante do seu equipamento é você: seu corpo móvel, sua mente imaginativa e sua liberdade de usá-los. Certifique-se que os usará.

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[¹] Artigo publicado pela primeira vez na revista Film Culture, em 1965 — publicação criada por Adolfas Mekas e Jonas Mekas. A imagem de capa é de Alexander Hammid, "Maya Deren in mirror" (1942).

[²] Nota da tradutora: No original, vis-a-vis (sic), expressão francesa equivalente a tête-à-tête, frente a frente, numa tradução livre.

[³] Nota da tradutora: A Creative Film Foundation foi criada por Maya Deren, em colaboração com a sociedade cinematográfica Cinema 16, para estimular o cinema experimental à época, oferecendo prêmios anuais (entre 1956 e 1961).

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Maya Deren foi cineasta, teórica de cinema, dançarina, poeta, fotógrafa. Considerada por muitos a madrinha do cinema experimental americano, o conjunto de sua obra reflete o desejo — e o trabalho — de instituir o cinema como uma forma de arte baseada na consciência criativa.

Nicole Donato é formada em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal de Sergipe. Diretora dos videoclipes "Tudo", de Alex Sant'anna, e "Preciso Ir Embora", de Taia. Montadora dos videoclipes "A.Lago", "Ser" e "Dose de Amor", de Taia. Pesquisa o ritual no coreocinema de Maya Deren no mestrado interdisciplinar em Cinema do PPGCINE/UFS.