17 de abril de 2024 | Shirley Melo
Impossível pensar/fabular sobre um futuro sem antes fazer um exercício buscando entender tanto a realidade presente quanto as histórias dos antepassados, histórias que muitas vezes se apresentam repleta de lacunas e apagões. A filosofia africana, através da simbologia do Sankofa, nos indica a importância de voltar para o passado para buscar sabedorias que guiem ações do presente, rumo ao futuro no qual os mesmos erros não sejam cometidos, um futuro de resistências...
Nesse sentido, movidas(des) pelos atravessamentos de saberes da filosofia africana, bem como das cosmovisões indígenas, nas quais teóricos como Katiúscia Ribeiro e Ailton Krenak ganham destaque, a galeria Bibok convocou artistas do contexto sergipano, em qualquer etapa da carreira, para compor o II Salão Serigy de Arte Contemporânea, tensionando caminhos para se pensar acerca do "porvir".
Das inúmeras inscrições propostas (comprovando a força da cena artística sergipana e do movimento independente de se pensar e experimentar ARTES), foram selecionades 20 artistas que apresentaram por meio das suas obras e poéticas, uma diversidade de técnicas e linguagens artísticas: arte têxtil, vídeo-performance, pinturas digitais, fotografias, colagem, instalação, entre outras.
Na fruição com as obras de arte que compõem o II Salão, temas como identidade, memória e ancestralidade são acionados em diversas obras, "Muximba II" (Davi), “Ver ou olhar” (Nagrade), "Corpo terra", "Caminho céu e terra" (Leo de Nijila), “Quebra de braço” (Joel Dantas), “Água de Siri” (Marisergia), "Preto Rosário" (Wendel Salvador) e "O futuro é ancestral" (Ana Marinho).
Questões que partem do individual, das subjetividades, para alcançar algo que diz respeito à sociedade podem ser vistas em trabalhos como “Em carne viva, sublime” (Letícia Galvão), “Liberdade” (Elvis Vaz), “Híbridos e impuros” (Elaine Bomfim), “Tanque de vidro” (Alien Velv) e na série de obras s/ título de Luan Dias.
Já as obras “Colapso Materiais” (Suellen Villas-Boas) e "O luxo humano" (Mamífera) trouxeram para o público espectador imagens que refletem a violência do sistema capitalista sobre nossos corpos, sobre o meio ambiente. É necessário (re)pensar sobre os efeitos desse sistema. Em uma entrevista Ailton Krenak alerta: “Temos que parar de nos desenvolver e começar a nos envolver”.
Em “Desnortear“ (bruxxa) e “O caminho é longo“ (Sônia Melone), parte-se da representação do espaço geográfico para questionar conceitos como norte e sul globais, colonialismo, bem como a urgência de decolonizar saberes e fazeres, desconstruir padrões de viver imposto por essa lógica branca/cis/patriarcal." O caminho é longo", nos diz a arte, entretanto é firme e potente, construído pelas várias pisadas daqueles que já habitavam esse território antes da invasão, pisadas e conhecimentos dos donos da terra, Pindorama!!!!
Salve os povos indígenas!
A luta é por território.
São mais de 500 anos de luta e (re)existências.
Em "Lute como uma mulher indígena" (Sara Cardoso), instiga/sugere o meio e a forma. É possível pensar outras realidades, esperançar...
Nos rituais/obras de arte: "Comece agora" (Suzana Su), "Para todo fim há um começo" (Rafael Carvalho) e "Abro espaço" (Lila Arévalo), evoca-se os 3 elementos (terra, fogo e água) para criar trilhas, abrir caminhos...
A arte abre caminhos, transforma o espaço da Galeria Bibok, no centro histórico de São Cristóvão, numa encruzilhada de saberes e fazeres que muito além de pretender dar respostas acerca de futuro porvir, tem por intencionalidade provocar outros olhares, dúvidas e questionamentos.
Só não pode sair ileso daqui, só não pode sair ileso...
(Alex Sant'Ana)
Referências
Ailton Krenak. O futuro é ancestral, 2022.
Katiúscia Ribeiro. Rekhet: Um exercício que transcende o ato de filosofar, 2020.
Katiúscia Ribeiro. O Futuro É Ancestral (série documental), GNT, 2022.
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[¹] Este texto faz parte do catálogo do II Salão Serigy de Arte Contemporânea: Porvir — disponível na biblioteca da Tilápia-azul a partir de 20 de abril de 2024.
Na imagem de capa, um conjunto de instalações sem título (210 X 180 cm, 2022-2023), de Luan Dias, obras que fizeram parte do Salão Serigy.
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Shirley Melo é artista visual em formação pela Universidade Federal de Sergipe, bolsista pelo CNPq no projeto de pesquisa “Corpo Metalinguístico: Performance e Subjetividades no meio tecnológico” (2020-2021), cofundadora da Galeria Bibok, onde atua como curadora, arte-educadora e produtora cultural.