2 de maio de 2025 | Breno Silva
Em certo momento dos fragmentos pandêmicos que povoam Um Minuto É Uma Eternidade Para Quem Está Sofrendo (2025), de Wesley Pereira de Castro e Fábio Rogério, a montagem se adequa a uma sequência de alucinações do personagem principal, que é o próprio Wesley. Com seu celular, dispositivo de gravação do longa – dado de presente por uma amiga –, ele adentra um vórtice rodopiante de insanidade, o plano pulula querendo esgarçar-se a si mesmo. Quintal, árvore, céu, galinha, pato, lama, esgoto, céu. Durante o movimento centrífugo de si e da câmera, Wesley repete as palavras “loucura” e “doença” várias vezes, até que o giro da lente termina no enquadro de uma caixa d’água. A espiral sganzerliana parecia menos uma questão individual de localização de um certo zeitgeist do que o retrato de um diagnóstico do cinema como doença e cura de si mesmo.
Gravado como vlog/diário pandêmico, o longa de Fábio e WPC¹ escancara para nós um jogo que permanece se repetindo durante toda a projeção: o gesto de filmar-se como performance de um devir cinéfilo para permanecer vivo. Uma dinâmica cinematográfica de sobrevivência.
Adotando um caráter precário e urgente, acompanhamos recortes – como se rolássemos por um feed – da vida de Wesley, enquanto ele sobrevive entre textos, filmes, cuidado de animais, chuvas, músicas e sonhos lúcidos. Atravessado por uma tristeza que continuadamente irrompe no filme, como um lembrete de um fundo que precede a figura, o personagem-diretor se encontra numa desordem para achar diferentes formas de viver dentro de uma tragédia. O seu caderninho, que, uma vez ou outra, aparece como um inventário de depressão (as carinhas tristes que WPC insere sobre as páginas são cenas recorrentes na projeção), é repetidamente contraposto a cenas de brio, de lampejos de alegria, de uma cantoria, da beleza que existe em ver a interação entre os animais nos fundos da casa ou somente o relance do céu. O cinema, aqui, soa como saída, escotilha para fora, pujança de criação para o novo fluxo vida. Apesar do esgoto que vive entupindo e alagando o quintal, os jabutis, ao pé da árvore, continuam acasalando e gerando filhotes.
Trechos de livros são lidos, como num monólogo godardiano, Wesley dança nu em frente a uma pia cheia de pratos, como num filme musical de Fred Astaire, gatos, cachorros e galinhas brigam de forma rocambolesca como numa comédia screwball hawkesiana. O filme é atravessado por uma consciência cinéfila. A vida é cinema e vice-versa. Para alguém que trabalha há vinte anos escrevendo, falando e assistindo a filmes, chega uma hora que as coisas começam a se misturar. Vida e ficção são a mesma coisa: em uma das cenas, WPC aponta um espelho para a câmera, vemos a imagem de si mesmo gravando, o seu duplo, virtualizado. O sábio e o louco, o cinéfilo e o realizador, o Wesley da vida e o Wesley do Cinema. Relação mutualista. Um precisa do outro para sobreviver.
Quando premiado com o Melhor Filme da Mostra Aurora na 28º Mostra de Cinema de Tiradentes, Wesley, ao agradecer pelo prêmio, citou uma fala de Crepúsculos do Deuses (1950), de Billy Wilder: “Mr. DeMille, I’m Ready for My Close Up”.
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[¹] WPC é uma sigla de assinatura de Wesley, uma espécie de indício de autoria usada à exaustão, como uma persona, um personagem, de fácil reconhecimento.
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Breno Silva é realizador audiovisual e curador. Membro do cineclube voyage, trabalhou na curadoria do 3º Festival Internacional de Cinema de Itabaiana e da mostra internacional do V Festival Internacional de Cinema Universitário de Pernambuco. Fez parte do júri do Prêmio Olhar Crítico, da 11ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano.
Cartaz de Um Minuto É Uma Eternidade Para Quem Está Sofrendo (2025), de Wesley Pereira de Castro e Fábio Rogério