4 de outubro de 2024 | Luís Matheus Brito
A ingenuidade estilística é uma marca dos retratos de Fernando Montalvão na exposição Passando o Tempo e Pintando o Sete, na Galeria de Arte Álvaro Santos, em Aracaju. Desde o primeiro contato, é possível notar referências vulgares ao gênero. O plano de fundo e as cores vibrantes tão associados à arte pop se somam ao registro convencional de figuras que povoam, talvez, o imaginário do artista. Músicos, poetas e políticos são alguns exemplos de homens — sobretudo homens — do século XX que formam o inventário. Quem, na exposição, vê Fernando Pessoa, a bem da verdade, vê menos uma variação do poeta do que uma estagnação dos traços pelos quais ele é reconhecido, sobretudo pela replicação de uma caricatura assinada por Almada Negreiros, um artista português. Quer dizer, a repetição pouco inventiva de Pessoa, assim como da maioria dos representados, esgota a promessa de que haverá adições sensíveis ao modo como vemos figuras que, se mobilizadas de modo restritivo, esgotam-se.
Sendo otimista, Fernando Montalvão assume o risco de levar à galeria um trabalho apressado e imaturo. Mas — eis uma hipótese — ele não deve identificar a armadilha que cria para si mesmo, a ponto de repercuti-la nos visitantes. Por isso que a exposição Passando o Tempo e Pintando o Sete se torna monótona em qualquer parede para a qual se olhe. Sem exceções. Vemos a boina de Che Guevara, as rugas de Chico Buarque e os cabelos de Lampião: daí, é possível identificar certo desejo pela universalidade — desejo que se reflete não só na ilustração de homens que influenciaram a cultura e o pensamento do último século, mas também nos ângulos normais e primeiríssimos planos. Porque o universal reivindica a assimilação imediata, sem demoradas.
Da representação mal-arranjada, o artista recolhe benefícios, pois, ao incluir um retrato do prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira, ele facilita — ou garante — o acesso a recursos. Tem, para si, atenção e cuidado que são raros, para que se efetive a montagem e, por fim, a cerimônia de abertura tanto com os funcionários da galeria e da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju) quanto com os políticos. Aí reside o motivo pelo qual decido falar das obras de Fernando Montalvão, músico que, na hora de expandir o trabalho formalmente, apresenta pouco manejo com a linguagem nova, as artes visuais. Por conta de relações que ultrapassam a pintura, ele tem a chance de apresentar as telas numa galeria de valor histórico. O calendário, porém, é apressado: a exposição seguiu do dia 24 de setembro ao dia 4 de outubro de 2024. Menos de duas semanas.
Aqui, é claro, a crítica de arte se soma à crítica institucional a fim de discutir hábitos que favorecem a circulação de trabalhos que, por si só, são insustentáveis, mas que garantem, para o artista e o prefeito, a pose ao lado da obra. A fotografia de Edvaldo Nogueira a apontar o dedo para o retrato de si mesmo é a finalidade de um ato performático cujo ponto de partida é, na Galeria de Arte Álvaro Santos, a montagem do semicírculo que abriga os protagonistas do evento. "O dispositivo", como dizem os cerimonialistas. É, nesse caso, a validação do político como sujeito proeminente que merece, também, conduzir-se à imortalidade, à universalidade, à zona das figuras prestigiadas pelo artista. Ao menos, pelo artista Fernando Montalvão. E o que eles acumulam é uma caricatura que, não fossem os procedimentos estéreis, armazenaria alguma beleza. Ao contrário: é uma peça de mau gosto.
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Luís Matheus Brito (1994) é poeta, ensaísta e mestra em Estudos Literários pela UFS (Universidade Federal de Sergipe). Publicou Guia de Queixumes (edições blague, 2021). Edita a Tilápia-azul.