13 de agosto de 2023 | Jasia Reichardt (tradução de Luís Matheus Brito)
O trabalho apresentado nesta exposição cruza a fronteira entre dois campos da atividade criativa absolutamente definidos — poesia e pintura. Talvez não haja definição precisa para essa forma híbrida de expressão — uma coisa é absolutamente clara, entretanto — a poesia visual em suas configurações variadas constitui o primeiro movimento poético internacional.
Esse tipo de poética serve para examinar o que ocorre com a linguagem através de certos tipos de apresentação visual e o que ocorre com uma imagem abstrata dotada simultaneamente de significado literário. A linguagem poética é aquela que amplifica o próprio significado e que transmite uma mensagem com mais força e ternura que outras formas de escrita. Como modo de comunicação, é aquele para o qual as únicas regras são feitas pelo criador. Dotando a poesia de certas qualidades visuais ligadas à pintura, busca-se uma estrutura formal para o que quer que seja dito. Isso pode assumir incontáveis configurações. A transformação do conteúdo literário em uma estrutura visual pode, passando por vários estágios, tornar-se completamente formalista, na medida em que nem frases, nem palavras, nem letras podem ser decifradas (Franz Mon, Ferdinand Kriwet, Klaus-Peter Dienst, Dom Sylvester Houédard). No outro extremo, imagens pictóricas são suplementadas com linhas de escrita que assumem a função de legendas ou ponteiros, de modo que toda a composição fica a ser interpretada (colaborações: Bayrle/Jäger e Ragazzi/Porta).
A fusão de forma e conteúdo é tão natural que chega à nota correta com precisão a ponto de ninguém, por exemplo, imaginar “Un Coup de Dés”, de Mallarmé, numa coluna vertical, nem “Il Pleut”, de Apollinaire, gravado horizontalmente. Isso também serve para algumas das extravagâncias poético-visuais do período entre 1910 e 1930 — as obras de Marinetti, Albert-Birot, Raoul Hausmann, Schwitters, Picabia, Ball e Van Doesburg exemplificam as semelhanças entre o conteúdo literário dos poemas, o arranjo tipográfico dinâmico e, às vezes, a fonética e o som equivalentes. O ímpeto e a afirmação desses breves exemplos, assim como a espontaneidade e a ironia, foram suplementados no início dos anos cinquenta com uma relação mais formal, mais rigorosa entre significado literário e forma plástica. Isso tem a ver particularmente com a poesia concreta e a poesia semiótica. Muitas vezes, o texto pode consistir em algo extremamente simples: o poema de Eugen Gomringer baseado em duas palavras, “ping-pong”; a composição de uma palavra de Pierre Garnier, “soleil”; ou o “laute laute laute…” de Jandl, no qual a ideia de som que se torna cada vez mais alto está expressa visualmente numa fonte que ganha negrito e tamanho. Caso os poemas sejam quase monossilábicos ou mais complexos (Novak, Finlay, Furnival, Rühm, grupo Noigandres, Morgan, Kolar), manifesta-se uma preocupação com a sátira, a ironia, os trocadilhos cuidadosamente planejados e as insinuações indisfarçáveis. Inevitavelmente, o efeito é de irritação (o que é compreensível) em vez de aceitação.
A ideia de Pinto² de que o poeta é um designer (em contexto amplo) da linguagem se aplica igualmente às dimensões semiótica, semântica, concreta, visual, tipográfica, fonética, mecânica e cinética da poesia, e essa é a fundamentação desta exposição.
__________
[¹] Este artigo é uma tradução do texto de apresentação do catálogo de Between Poetry and Painting, exposição que ocorreu entre 22 de outubro e 27 de novembro de 1965, no Instituto de Artes Contemporâneas, em Londres. O catálogo está disponível aqui.
[²] No manifesto "nova linguagem, nova poesia", os poetas Luis Ângelo Pinto e Décio Pignatari escrevem: "o poeta é um designer, ou seja, um projetista da linguagem".
Capa do catálogo da exposição Between Poetry and Painting, 1965
__________
Jasia Reichardt (1933) é uma crítica, curadora, diretora de galeria e editora britânica. Entre a década de 1960 e 1970, foi diretora assistente do Instituto de Artes Contemporâneas, em Londres. Lá, fez a curadoria da exposição Between Poetry and Painting, que reuniu trabalhos do grupo brasileiro Noigandres — formado, à época, por Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Pedro Xisto e Ronaldo Azeredo.
Luís Matheus Brito (1994) é poeta, ensaísta e mestra em Estudos Literários pela UFS (Universidade Federal de Sergipe). Publicou Guia de Queixumes (edições blague, 2021). Edita a Tilápia-azul.