21 de fevereiro de 2024 | Dayanne Carvalho
Os dias de missa costumavam trazer respostas para boa parte dos moradores da Colônia Treze. Principalmente quando Joaquim Antunes de Almeida, mais conhecido como Padre Almeida, adaptava o evangelho à vivência da comunidade, fazendo com que a mensagem adquirisse um sentido mais próximo e evidente.
Quando foi para a Colônia Treze, em 31 de maio de 1984, para ser o primeiro pároco da Paróquia Santa Luzia, uma multidão se aglomerou em caminhada para recebê-lo. Beijos, abraços e o espírito caloroso mais tarde se aquietaram por parte de alguns fiéis que não aceitavam sua postura mobilizadora e combativa diante dos problemas da comunidade, especialmente nas menções e trabalhos com a agricultura.
“Tinha uvas onde Jesus nasceu, onde Jesus morava. O plantio era uva, o agricultor trabalhava com uva. Para nós aqui hoje, trazendo o evangelho para nossa vida, a gente fala do maracujá, da laranja, da mandioca, que são os produtos que a gente tem”, reproduz Josefa do Carmo — conhecida por todos como Carminha, que acompanhou o padre durante toda a sua trajetória na Colônia Treze e, para este livro, foi a pessoa com quem mais consegui informações sobre o padre.
Segundo outros moradores próximos a ele, sua fé ia além das práticas de oração e vivências religiosas. Ela atuava dentro e fora dele como uma engrenagem transformadora de si mesmo e do seu entorno.
“Não adianta só rezar. Você vai para a igreja, põe as mãos, fecha os olhos e diz que está rezando. Os olhos têm que estar abertos para ver o que está acontecendo na comunidade. Tem que levar o problema para a igreja para Deus dar a luz e mostrar como você vai resolver”, dizia ele.
Um ano após a sua chegada como pároco, surgiu a primeira crise: a superprodução de maracujá. Com a promessa de um incentivo político para garantir o preço do produto, os agricultores associados à Cooperativa Mista de Agricultores do Treze (Coopertreze) ampliaram o plantio na expectativa de um retorno positivo no tempo de colheita e venda. A promessa não vingou, e os maracujás apodrecidos comprometeram a renda das famílias.
Incomodado com o prejuízo e a escassez de compradores, padre Almeida mobilizou uma greve com os agricultores e, juntos, foram até a Frutene, fábrica localizada no município de Estância que comprava o fruto dos produtores da Colônia Treze, na tentativa de paralisar as atividades e reivindicar preços justos. Na pista, o maracujá que virou protesto continuava sem destino, e os agricultores sem retorno financeiro para compensar a produção custosa.
Sem perder os últimos fios de esperança, encontrou uma empresa de sucos em Recife e fechou a venda por um preço melhor. A fábrica não tinha espaço para armazenar o maracujá, mas caso a Coopertreze auxiliasse com o estoque, eles se comprometeriam com a compra. Padre Almeida mobilizou a comunidade e, com o apoio da Cooperativa Agrícola Mista de Estância (Coopame²), compraram tonéis para armazenar o maracujá.
“Ele lutava para que o agricultor tivesse conhecimento e não [ficasse sem] saber o que estava fazendo. O que o padre queria mesmo era ajudar o agricultor, ele dizia: ‘A gente tem que ajudar o pequeno porque os grandes já estão grandes, eles não precisam. Quanto mais eles têm, mais eles querem. Se a gente não se organizar, não se mobilizar, nunca vamos ter um produto para vender na base correta do que você gastou para produzir’”, recorda Carminha.
O apoio aos pequenos se mostrou também em outro contexto: a crise da laranja. Dessa vez, o prejuízo foi delineado pela interferência de atravessadores — comerciantes livres que repassam os produtos adquiridos junto aos agricultores para outros compradores. No caminho entre a compra da laranja na mão dos produtores da Colônia Treze e a negociação com as fábricas, esses atravessadores conseguiam ter um lucro maior do que quem plantava o produto.
Os agricultores se juntaram ao Padre Almeida nas negociações e decidiram que a Coopame compraria as laranjas da comunidade. O lucro da venda seria destinado diretamente a eles, sem interferência dos atravessadores.
“Quando você procura o justo, o que é que acontece? A política está por detrás e os grandes estão ali por cobertura dos políticos, né? Muitos pequenos achavam os grandes certos quando ofereciam o que eles queriam, aí começaram a achar que o padre estava errado. Mas ele dizia: ‘O justo é assim: ele não acaba só, mas acaba com poucos’”, conta Carminha.
Padre Almeida aos 24 anos, no dia da ordenação sacerdotal (fonte: arquivo da Paróquia Santa Luzia)
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[¹] “Tenho medo de esquecer seu nome” é um fragmento do primeiro capítulo homônimo de Quando Deus mandou a chuva que molhou a Terra, de Dayanne Carvalho, livro-reportagem cujo lançamento ocorre no primeiro semestre de 2024.
[²] Antes de chegar à Colônia Treze, padre Almeida foi pároco na cidade de Estância, localizada a cerca de 70 km de Aracaju. Enquanto esteve lá, ajudou os moradores na fundação da Coopame.
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Dayanne Carvalho nasceu em Aracaju, em 1995, mas morou boa parte de sua vida no município de Lagarto, interior de Sergipe, lugar que se tornou seu ponto de partida e de retorno. Jornalista formada pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), é também escritora, fotógrafa e pesquisadora.